quarta-feira, fevereiro 09, 2011


A Dona do Pássaro Livre

O amor é pássaro livre, se te amo, cuidado. Ela disse bem assim. Um trecho traduzido de Carmem. Ela disse com os olhos fortes, aguados. Ela disse com dele. Enroscou-se, preparou seu bote e beijou-lhe a boca com força nos braços miúdos, braços que se grudaram ao pescoço mordidas fortes e hálito de chiclete tutti-frutti. Ela falou da importância e da responsabilidade de cativar as pessoas e citou Exupéry com sua obra O pequeno príncipe.

Frases feitas a dela, frases que ela ousou se apoderar, frases que se incorporaram a sua cabeça de mulher menina ou melhor, menina-mulher.

Ela põe a colher na boca do amado, ela desmancha-se em elogios, ela dá gritos de felicidade. Ela, toda a felicidade e ele tem medo. Ele tem medo de amar aquela menina tão encantada que o desencantou de antigos amores, que colocou na sua vida pitadas de açúcar, que o fez pensar novamente na saudade do que ele já nem sabia mais.

Ela o deixa livre e isto já o engaiola e isto é bom. Ela o larga no firmamento e ele sempre volta ao cativeiro, ele enjoa o céu e quer a terra firme de seu corpo pequeno e tão grandioso. Ele bate as asas e vento faz para que ela se refresque e isto é tão involuntário que lhe assusta. Quando ele a toca com seu bico já é, já foi, já aconteceu sem ele perceber.

Ela sabe que o ninho dele será numa terra distante. Ela sabe que ele é um livro que será emprestado e talvez nunca mais volte a enfeitar sua estante, mas ela o lê, ela o relê, ela revira suas páginas e coloca seu nome na folha de rosto. Ele deixa. Ele não se queixa. Ele quer. E ela vai, aos poucos, preenchendo sua história, reescrevendo e apagando sua vida trágica, colocando juventude e comédia, bolas de sabão e passeios de moto cor-de-rosa.

Ele, muitos anos a mais que ela. Ela nascera e ele já formado estava, já deformado andava pelos solavancos da vida, das armadilhas da noite, dos papos vazios e inúteis.

Ela tem consciência de que várias vezes ele perdeu sua plumagem, que inúmeras vezes alpiste lhe foi negado, que tantas vezes sua gaiola enferrujou, que mutilaram suas asas.

Ela o ensinou a voar novamente. Ela o cativou eternamente... Ele vai voar longe dela um dia! Ela disto sabe e nada quer além do tempo que lhes resta! Ela já é dona dele e não se vangloria, não deseja assumir autocraticamente a função, antes, quer que ele voe, voe, voe...

O amor é um pássaro livre... Se te amo, cuidado. Ele não tem medo de voltar à gaiola. Ele vai voar e vai procurar sempre o ninho que ela elaborou para ele com todo o cuidado, com todo o esmero, com toda a delicadeza do mundo.

Charlie Rayné- charlie.rayne@gmail.com

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Lindo..! É demais ler esta crônica.
Sente-se a emoção nas palavras. E acredita-se em uma história real por trás de tudo.
Parabéns! És um belo escritor, e eu um admirador de quem tem este dom!

21 abril, 2011  

Postar um comentário

<< Home