sexta-feira, junho 25, 2010


Empata – amor

O que empata o amor, o que o torna inconcebível, incoerente é o coração. Parece mentira, mas este coração tem vida própria e nos prega peças inimagináveis. Temos nossa vida escolhida, nossos amados escolhidos, nossa vidinha programada e num repente o músculo involuntário nos modifica o cenário e nos coloca em situações caóticas e completamente sedutoras.
Ela passou anos a fio tentando remendar seu casamento, lutou pelo seu homem com garras de leoa. Ele bebia, fumava, cantava na chuva, balançava outras saias e num repente se transformou num homem honesto. Ela conseguiu mudar seu amor e num encontro recheado de romantismo e promessas de uma vida unida em família, o garçom deixa cair uma taça de vinho sobre seu vestido branco. O garçom pede desculpas e ela, raivosa, olha gravemente em seus olhos. O garçom, ex colega de escola, ex namoradinho do primário, excelente primeira transa!
Fim. Seu casamento estava perdido naquele momento e em todos os momentos vindouros, o coração havia mudado as peças de lugar, o que era não era mais, o que esperava não bastava mais. De nada adiantaria ela nunca mais ver o rapaz, pois embora não o visse mais, aquele reencontro era a constatação de que o coração não mais pulsava pelo marido agora honesto.
Saiu, desconcertada. O marido, sem nada entender, seguiu a esposa sem nem olhar para o lado, ou melhor para as garçonetes, afinal, agora ele era um exemplo de honestidade. Entraram no carro. Ela chorou muito, com a cabeça enfiada no volante. Ela chorava por tudo que esperou do marido, por tudo que idealizou, por tudo que deixou de fazer, ela chorou de prazer e de dor.
- Amor, o que aconteceu?
- Tudo. Aconteceu tudo e nada. Este momento, este jantar tão esperado é o meu espelho. Estou viva e morta. Sou humana, só isso!

sexta-feira, junho 11, 2010


O dia em que ele foi seu próprio namorado!

Mesmo que seja uma data comercial. Mesmo que os presentes ofertados venham carregados de obrigações. Mesmo que o presente não seja de estimável valor, mesmo que o caos do dia-a dia nos impeça de falar sobre ternuras, mesmo que não estejamos mais com o nosso amor, este dia vale a pena. Vale à pena porque paramos e pensamos na nossa estrada sentimental, vale a pena porque precisamos cada vez mais de datas que nos lembrem que amor ainda existe, que não é objeto de adorno, que é possível vencer o abandono e nos unir um pouco mais.
Tanto faz se estamos sozinhos ou enlevados por alguém, tanto faz se compramos uma jóia ou um cartão de papel vagabundo- Estas datas nos lembram sempre a importância de algo maior.
Ele nunca foi feliz no amor, sua vida foi recheada de romances conturbados, traições e discussões exacerbadas. Sua namorada foi seu próprio rosto refletido no espelho. Olhou-se e amou suas primeiras rugas, seus cabelos se tisnando de branco, suas pálpebras caídas. Amou seu band-aid grudado no queixo, seu nariz recheado de cravos...Viu-se de verdade com todas as suas controvérsias, todas as suas risadas e seus gritos, seus grandes atos e suas trágicas tentativas de ser feliz. Viu-se e se amou da primeira vez, aquele amor único e incondicional, aquele amor despido de carne, caranaval. Despido de tempo e temporal- amor atemporal e sem prazo de validade.
Debruçou-se sobre o espelho e disse de si para si:
Eu te amo. Eu te amo. Eu amo teus humores, tuas feridas, tuas solidões, teus cheiros, teus destemperos. Eu amo as tuas tentativas de ser feliz, eu amo teus braços e pernas, amo as velas que acendes e que se apagam antes de conquistar as bênçãos. Eu te amo eu! Feliz Dia dos Namorados

segunda-feira, junho 07, 2010


Pequeno Colóquio sobre a dor


Como dói a vida, às vezes. Como ela dói fundo e nos afunda, e nos afunila, nos deixa pequenos...Como dói saber que as pessoas torcem por sua dor, que elas jogam salmora nas tuas feridas, como dói ser mal interpretado. Como dói saber que a tua dor causa riso nos outros, que a tua dor é só tua e que todos estão ocupados em viver as suas vidas...Dói muito saber que algumas dores não tem remédio, que elas vão preencher um espaço eterno no nosso coração. Dói ser rejeitado, dói ser julgado, dói ser escravo da própria dor. Dói doer. Dó ninguém tem.

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Doei minha vida errante a ti, mulher infante e desprovida de ternura!
Doei o que podia doar, o que talvez fosse além do que sustenta meu edifício
Doei o sangue que mal corria nas minhas veias, minhas candeias, meus escritos e meus precipícios.